Da mesma forma que armazenamos fatos, situações, rotina e por ai vai, nada mais justo que nosso cérebro memorize os momentos dolorosos que tivemos, talvez para nos proteger, talvez para aprender como reagir da próxima vez. Aprendemos, logo armazenamos de forma implícita ou explicita.
A memória implícita é o processo que se refere a mudanças inconscientes no comportamento como consequência da experiência e envolvem um aprendizado não associativo como habituação e sensibilização, mas também com um processo associativo como os condicionamentos respondente e operante. Vamos lá: habituação e sensibilização são fenômenos fisiológicos e que podem tornar-se problemáticos com a persistência de outros estímulos e da própria dor. Estão envolvidos diretamente com a nocicepção. Adotamos comportamentos condicionados de acordo com o que foi aprendido: se um movimento provocar dor, só de pensar neste movimento pode fazer uma pessoa sentir mais dor, até mesmo medo do movimento e tensão muscular (condicionamento respondente). Com isso, pessoas podem adotar diversos comportamentos como “fugir da dor”, enfrentar, se movimentar, fazer repouso. Isso é extremamente influenciado positivamente ou negativamente (condicionamento operante). Quanto mais o comportamento for desejável, maior deve ser o reforço positivo e vice versa. Acredita-se que estas memórias aprendidas façam parte dos mecanismos de cronificação da dor.
Já a memória explícita se refere a processos semânticos e episódicos que sempre são conscientes e armazenados (palavras, fatos, números, bla, bla, bla) envolvendo diferentes estruturas neuronais, as quais podem interagir “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”. Com a persistência da dor, observam-se mudanças estruturais (ex. atrofia), e funcionais (ex. hiper ou hipoatividade) no cérebro e medula, o que provavelmente influencia os processos fisiológicos da memória. Talvez por isso, palavras negativas, situações dolorosas, experiências traumáticas sejam capazes de distorcer sensações dolorosas e modificar a imagem corporal de pessoas com dor persistente.
Existe uma rede de ligação em nosso cérebro (neuromatrix) entre movimento, sensações, emoções e MEMÓRIA, da mesma forma que existe uma rede entre as usinas hidroelétricas no Brasil (bla bla bla). Cada momento doloroso é marcado por uma maneira diferente dessa rede funcionar, as vezes o movimento tem maior valor, as vezes as emoções. Porém, todas ficam memorizadas. Com isso, cada experiência dolorosa recebe uma assinatura neural (NEUROTAG). Nada mais nada menos que o padrão de ativação neuronal de cada experiência dolorosa. Os estudos mostram que quanto maior a intensidade e a persistência da dor, mais áreas do cérebro “ligam” seus neurônios fora da época do natal. Ou seja, memórias dolorosas perpetuam a dor.
Já sabemos então que somos capazes de memorizar a dor, mas será que somos capazes de passar a borracha nela? Pesquisadores vem mostrando que com a integração de medicações, terapia cognitivo comportamental e exercícios somos capazes de “re-modificar” alterações estruturais e funcionais no cérebro para conseguir apagar essas memórias dolorosas.
Herta Flor (sou muito fã) em 2002 conseguiu apagar as memórias dolorosas do cérebro de pacientes com dor fantasma após amputações. Outras sugestões são baseadas na imagética, terapia de espelho, biofeedback e realidade virtual. Mais importante que o nome da terapia ou modalidade escolhida, é escolher a intervenção que seja capaz de modificar clinicamente os comportamentos indesejados e condicionados, os quais também perpetuam a dor e afetam a capacidade funcional (comportamento doloroso, cinesiofobia, hipervigilância, repouso excessivo…).
Continuando com essa importância, a escolha de modalidades também deve ser capaz de modificar a habituação e sensibilização do sistema nervoso. A terapia manual não dolorosa tem se mostrado uma modalidade capaz de fazer isso, aumentando a tolerância a pressão, especialmente muscular. Isso vale da mesma forma para o exercício físico, onde devemos evitar o surgimento ou aumento da dor durante os exercícios, diminuindo a chance de aumento da atividade das neurotags e poder criar novas conexões estruturais e funcionais no cérebro. Modalidades cognitivas comportamentais como o pacing e a exposição gradual são opções seguras para os pacientes se exercitarem, com menor chance de “dano doloroso”. Ah, por favor, um conselho: trabalhe em equipe, é impossível dar conta de tudo sozinho!!!!!
Algumas referências:
http://www.medscape.com/viewarticle/758463_1
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1084068/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21593339
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24327313
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23405082
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15109523
Artur Padão – Dorterapeuta