De todos os amores que eu tive, o ombro és o mais antigo. Dor e amor compartilham as mesmas vias neuronais e dizem que o ombro é uma das regiões mais atingidas pelas emoções humanas. O ombro também é local de repouso no chamado ombro amigo, para colocar toda aquela coisa ruim pra fora e mesmo assim não ser julgado pelo outro enquanto você “encosta a sua cabecinha no meu ombro e chora”.
Dores crônicas no ombro são minha eternizada companheira, das mais antigas que tenho. Além disso, foi meu primeiro tema de TCC na faculdade até minha professora quase estragar tudo. Iria estudar dor neuropática no ombro e minha teacher disse que eu não podia estudar isso pois dor era algo subjetivo. Esse é o meu eterno complexo. E o do ombro?
O complexo do ombro é denominado como uma região anatômica e funcional, composto por tantos componentes quanto histórias de dores crônicas. Das fáscias à capsula, dos ligamentos aos tendões, dos músculos às bursas e dos ossos aos nervos, o ombro coloca isso tudo ao mesmo tempo e “shallow now” para mover, conter, proteger, estabilizar, forçar, alavancar e, em nosso mundo moderno, doer de montão quando o cérebro quer.
O ombro funciona como um todo. Parece frase de parachoque de caminhão, mas é verdade sim. Na verdade, o corpo humano funciona como um todo. Separamos tudinho para estudar esse todo, mas temos muita dificuldade de entender os processos ao mesmo tempo. Por isso, o ombro é um complexado por natureza. Gostam de movimentos refinados (não tanto quanto as mãos), mas se o whisky não for pelo menos 12 anos não desce.
Todavia, o que torna realmente o ombro uma das regiões mais complexas do corpo humano é o seu conjunto de articulações com suas eternas dores crônicas:
– Glenoumeral – – ao mesmo tempo estável e instável, nunca fica em seu devido lugar e está sempre querendo mais. Complexada demais por ser côncava e convexa ao mesmo tempo. Sua dor tem altos e baixos.
– Estenoclavicular – – a maior maria vai com as outras que já existiu. Fica o tempo todo seguindo a clavícula e não dá a mínima para o osso esterno. Todo mundo esquece que ela existe. Isolada dolorosamente e socialmente.
– Acromioclavicular – – meio pontuda e chamando a atenção, essa junta se sente acima da glenoumeral e das outras. Olham pra ela, mas ela não olha de volta. Briga com a própria dor o tempo todo.
– Subacromial – – simplesmente um espaço vazio, sem vida, sem sentido, sem destino, ó vida, ó céus, ó tendão do supra, ó bursa, ó dor crônica.
– Escapulotoracica – – até o red bull tem mais asas que essa ai, quer ser alada e logo sentar na janela. A junta mais sonhadora e a com expectativas mais irreais de todas as dores do mundo.
Cada um com seu complexo. Cada ombro tem a sua complexa rede de interações estruturais, biomecânicas, neurofisiológicas, incluindo emoções, social, cognição, funcionalidade, espiritualidade e todo aquele papo cansativo biopsicosocial de sempre (biopsicochatosocial). Mas, não se engane. O ombro saudável já é complexo, imagine o ombro doente e com dor crônica. Uma glenoumeral sem alça.
“Eu sei o que quero ser, mas sei muito bem o que não quero me tornar”…um ombro complexado e com dor crônica…fato!
Artur Padão – – Fisioterapêuta Doloroso